O Império do Princípio: Uma Análise Abrangente da Teoria do Direito de Ronald Dworkin
Introdução: A Revolução Antipositivista
Ronald Dworkin emerge no cenário da filosofia jurídica da segunda metade do século XX como uma das vozes mais influentes e disruptivas, inaugurando um ataque sistemático e profundo aos paradigmas então dominantes do positivismo jurídico e do utilitarismo.1 Sua obra monumental pode ser compreendida como uma tentativa ambiciosa de redefinir a própria natureza do direito, propondo uma alternativa que busca superar as limitações do positivismo sem, contudo, incorrer nas armadilhas metafísicas do jusnaturalismo clássico.3 Dworkin posiciona-se como um teórico de uma "terceira via", oferecendo uma concepção do direito que é, em sua essência, interpretativa, moral e intrinsecamente política.
A tese central que percorre toda a sua vasta produção intelectual é a de que o direito não pode ser adequadamente compreendido como um mero conjunto de regras estáticas, identificáveis por critérios factuais de pedigree, como a promulgação por uma legislatura ou a decisão de um tribunal. Em vez disso, Dworkin argumenta que o direito é uma prática social argumentativa, uma atividade interpretativa cujo propósito é identificar e aplicar um conjunto coerente de princípios de moralidade política que justifiquem o uso do poder coercitivo do Estado.3 Para ele, a prática jurídica, especialmente a adjudicação, não é um exercício mecânico de aplicação de normas pré-existentes, mas um esforço construtivo para tornar o direito a melhor versão de si mesmo, guiado por ideais de justiça, equidade e, acima de tudo, integridade.
Este relatório se propõe a realizar um detalhamento exaustivo da teoria do direito de Ronald Dworkin, traçando a trajetória de seu pensamento desde o projeto crítico inicial até a formulação de sua teoria construtiva madura. A análise se iniciará com a desconstrução do positivismo jurídico, personificado em seu célebre debate com H.L.A. Hart, focando na distinção fundamental entre regras e princípios e na crítica à noção de discricionariedade judicial. Em seguida, o relatório explorará o coração de seu projeto construtivo: a teoria do "Direito como Integridade", com suas ricas metáforas como o "romance em cadeia" e o ideal metodológico do "Juiz Hércules". A investigação mergulhará, então, nos fundamentos filosóficos de sua teoria, revelando a conexão indissociável entre direito e moral e a forma como sua teoria jurídica está profundamente enraizada em uma robusta filosofia política do liberalismo igualitário. Por fim, o relatório examinará a aplicação prática de suas ideias na interpretação constitucional, analisará as críticas mais contundentes à sua obra e avaliará seu legado duradouro na jurisprudência contemporânea. O fio condutor desta análise é a compreensão de que o projeto de Dworkin não é meramente uma teoria jurídica, mas uma teoria unificada do valor, na qual o direito, a moral e a política são partes interdependentes de um mesmo empreendimento intelectual: a articulação de uma comunidade de princípios.
Parte I: O Projeto Crítico: Desconstruindo o Positivismo Jurídico
A primeira fase da obra de Dworkin é marcada por um esforço crítico vigoroso, direcionado a demolir os pilares da teoria jurídica dominante de sua época: o positivismo jurídico. Ele não via essa tarefa como um mero exercício acadêmico, mas como uma necessidade para explicar adequadamente como os juízes de fato decidem casos e como o direito funciona como uma prática social coerente.
1.1 O Debate Hart-Dworkin: Um Choque de Titãs
Para compreender a revolução dworkiniana, é imperativo situá-la em seu contexto intelectual. Na metade do século XX, a filosofia do direito anglo-americana era dominada pela sofisticada versão do positivismo jurídico apresentada por Herbert L.A. Hart em sua obra seminal, O Conceito de Direito.6 Hart superou as teorias positivistas anteriores, como a de John Austin, que concebia o direito como mero comando do soberano. Em seu lugar, Hart propôs um modelo no qual o sistema jurídico é uma união complexa de "regras primárias" (que impõem deveres e obrigações) e "regras secundárias" (que conferem poderes para criar, alterar e adjudicar as regras primárias).6
No centro do sistema de Hart está a "regra de reconhecimento", uma regra social última que especifica os critérios de validade jurídica em uma determinada comunidade. É por meio dessa regra que as autoridades (juízes, legisladores) identificam quais normas pertencem ao sistema jurídico.6 A existência e o conteúdo dessa regra são, para Hart, uma questão de fato social – uma prática convergente dos operadores do direito em aceitá-la como padrão. Essa tese, conhecida como a "tese das fontes sociais", estabelece uma separação conceitual entre direito e moral: uma norma é juridicamente válida por sua origem (pedigree), não por seu mérito moral.
É contra essa poderosa e elegante construção teórica que Dworkin lança seu "ataque geral contra o positivismo".8 Ele argumenta que o modelo de Hart, apesar de seu refinamento, oferece uma imagem distorcida e incompleta da prática jurídica, falhando em explicar fenômenos centrais da adjudicação, especialmente em casos controversos.6 O debate Hart-Dworkin, que se seguiu, tornou-se o eixo central da filosofia do direito por décadas, forçando uma reavaliação fundamental da natureza do direito, da interpretação e da relação entre validade jurídica e moralidade.
1.2 O Modelo de Regras: Para Além de um Sistema de Regras
O ponto de partida da crítica de Dworkin é seu famoso ensaio "O Modelo de Regras I", publicado em 1967.10 Nele, Dworkin ataca a premissa positivista de que o direito é composto exclusivamente por regras.7 Ele sustenta que, além das regras, os sistemas jurídicos contêm outro tipo de padrão normativo: os princípios.
A Distinção entre Regras e Princípios
A distinção que Dworkin estabelece não é de grau, mas de "natureza lógica".6 Essa distinção é a pedra angular de todo o seu projeto crítico e se manifesta em como esses dois tipos de normas funcionam na argumentação jurídica.
Regras: As regras são aplicadas de uma maneira "tudo-ou-nada" (all-or-nothing). Se os fatos que uma regra estipula ocorrem, então a regra é válida e a consequência jurídica que ela prevê deve ser aplicada, ou a regra não é válida e, portanto, não contribui em nada para a decisão.10 Por exemplo, uma regra que estabelece um limite de velocidade de 60 km/h é aplicada de forma disjuntiva: ou o motorista estava acima da velocidade e a multa é devida, ou não estava e a multa não é devida. Se duas regras entram em conflito, uma delas deve ser considerada inválida ou uma exceção deve ser incorporada à sua formulação.10
Princípios: Os princípios funcionam de maneira diferente. Eles não determinam um resultado específico, mesmo quando são claramente aplicáveis. Em vez disso, eles enunciam uma razão que aponta em uma determinada direção, mas não de forma conclusiva.6 Os princípios possuem uma "dimensão de peso ou importância".10 Quando princípios colidem, como frequentemente acontece, o julgador deve sopesá-los e decidir qual deles tem mais peso na situação concreta. Um princípio pode ceder a outro em um caso específico sem perder sua validade para casos futuros.10 Um exemplo clássico é o princípio de que "ninguém pode se beneficiar de seu próprio ato ilícito".
Políticas: Dworkin também estabelece uma distinção crucial entre princípios e políticas (policies). Um "princípio" é um padrão a ser observado porque é uma exigência de justiça, equidade ou alguma outra dimensão da moralidade; ele estabelece um direito individual ou de grupo.1 Uma "política", por outro lado, é um padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, geralmente uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade como um todo.1 Dworkin argumenta que as decisões judiciais devem ser fundamentadas em argumentos de princípio, não de política. Quando um juiz decide com base em uma política (por exemplo, decidindo um caso de negligência de forma a promover a eficiência econômica), ele está agindo como um legislador, criando direitos retroativamente e usurpando uma função que, em uma democracia, pertence ao parlamento.13 Decisões baseadas em princípios, por outro lado, se limitam a vindicar direitos que as partes já possuíam.
O Papel da Regra de Reconhecimento
Essa distinção mina diretamente a função central da regra de reconhecimento de Hart. Dworkin argumenta que, enquanto a regra de reconhecimento pode funcionar para identificar regras (através de seu pedigree, como a aprovação por uma legislatura), ela é incapaz de identificar princípios.6 A validade de um princípio não deriva de um ato institucional específico, mas de um senso de adequação e apoio institucional desenvolvido ao longo do tempo na prática jurídica e na moralidade política da comunidade.15 Os juízes, ao invocarem princípios, não estão recorrendo a um catálogo sancionado por uma regra mestra, mas interpretando a história e a moralidade subjacentes à prática jurídica. Se os princípios são parte do direito, e a regra de reconhecimento não pode identificá-los, então a tese central do positivismo – de que o direito é um sistema de normas identificáveis por um teste de pedigree – desmorona.6
Tabela 1: A Distinção Entre Regras e Princípios
1.3 Casos Difíceis e o Mito da Discricionariedade Judicial
A distinção entre regras e princípios ganha sua força máxima na análise dos "casos difíceis" (hard cases). Estes são os casos para os quais não há uma regra clara e estabelecida que dite a solução.14 Para os positivistas, como Hart, esses casos situam-se na "penumbra" da certeza jurídica, onde a textura aberta da linguagem e das regras deixa lacunas.17 Nessas situações, o direito "acabou", e o juiz não tem outra escolha senão exercer "discricionariedade forte", agindo como um legislador para criar uma nova norma e aplicá-la retroativamente ao caso.6
Dworkin rejeita essa visão de forma categórica. Para ele, a ideia de que os juízes legislam em casos difíceis é uma ficção que mascara o que realmente acontece e viola princípios democráticos fundamentais, como a separação de poderes e a proibição de leis retroativas.13 Ele argumenta que, mesmo nos casos mais difíceis, uma das partes tem um direito preexistente de vencer.13 O dever do juiz não é
inventar um novo direito, mas sim descobrir quais são os direitos das partes. Essa descoberta ocorre por meio de um processo de interpretação que leva em conta todo o material jurídico relevante, incluindo, e especialmente, os princípios que sustentam o sistema.13 O que o positivista vê como um vazio a ser preenchido pela discricionariedade, Dworkin vê como um espaço a ser preenchido pela argumentação baseada em princípios.
Estudo de Caso: Riggs v. Palmer (1889)
O caso Riggs v. Palmer é a principal peça de exibição de Dworkin para demonstrar a inadequação do modelo de regras e a realidade da argumentação baseada em princípios.18
Os Fatos: O caso envolvia um jovem, Elmer Palmer, que, sabendo ser o principal beneficiário do testamento de seu avô, assassinou-o por envenenamento para garantir que o avô não mudasse o testamento.18 As filhas do falecido, as autoras da ação, contestaram a validade do testamento em favor de Elmer.
O Dilema: O dilema jurídico era agudo. As leis de sucessões do estado de Nova York eram claras e não continham nenhuma exceção explícita que impedisse um herdeiro de receber sua herança por ter assassinado o testador.18 Uma aplicação literal e puramente baseada em regras levaria à conclusão de que Elmer tinha o direito legal à propriedade. O juiz dissidente, Juiz Gray, adotou exatamente essa linha de raciocínio positivista, argumentando que o tribunal estava "obrigado pelas rígidas regras da lei" e não poderia criar uma punição adicional não prevista pelo legislador.18
A Decisão e a Interpretação de Dworkin: A maioria do tribunal, no entanto, decidiu contra Elmer. O Juiz Earl, escrevendo pela maioria, argumentou que a aplicação literal da lei levaria a um resultado absurdo e que "todas as leis, bem como todos os contratos, podem ser controlados em sua operação e efeito por máximas gerais e fundamentais do common law".20 Ele invocou explicitamente o princípio de que "ninguém deve ser autorizado a lucrar com sua própria fraude, ou a tirar vantagem de seu próprio erro".20
Para Dworkin, este caso é a prova cabal de sua tese. O tribunal não exerceu discricionariedade no sentido forte; ele não inventou uma nova lei. Em vez disso, ele identificou um conflito entre a regra explícita da lei de sucessões e um princípio jurídico fundamental e estabelecido. O tribunal então ponderou esses dois padrões e concluiu que o princípio tinha mais peso e, portanto, determinava os direitos legais das partes.15 O princípio não era uma consideração moral extralegal; era, e sempre foi, parte integrante do direito de Nova York, mesmo que não estivesse codificado em uma regra específica.15
Riggs v. Palmer demonstra que o direito é um sistema mais rico e complexo do que o modelo de regras do positivismo permite ver, um sistema onde princípios morais têm força jurídica vinculante.
Parte II: O Projeto Construtivo: Direito como Integridade
Após desferir seu ataque ao positivismo, Dworkin dedicou a fase madura de sua carreira a construir uma teoria alternativa e positiva do direito. Essa teoria, mais plenamente desenvolvida em sua obra-prima O Império do Direito, representa uma mudança de foco da crítica para a construção, propondo uma visão do direito como uma prática interpretativa unificada pela virtude da integridade.22
2.1 A Virada Interpretativa: O Direito como Prática Hermenêutica
O passo fundamental de Dworkin é redefinir o próprio objeto da teoria jurídica. Ele argumenta que o direito não é um conjunto de fatos ou regras a serem descritos de um ponto de vista externo e neutro. Em vez disso, o direito é um "conceito interpretativo".3 Assim como a arte ou a cortesia, o direito é uma prática social cujo significado é construído pelos próprios participantes através de seus argumentos sobre o que a prática exige em cada nova circunstância.3 Entender o direito, portanto, não é como entender a geologia de uma rocha; é como entender uma peça de teatro ou um poema, o que exige engajamento e interpretação.
Essa interpretação, no entanto, não é um exercício de liberdade irrestrita. Dworkin a chama de "interpretação construtiva". O objetivo não é desvendar as intenções subjetivas dos legisladores do passado (uma visão que ele chama de "convencionalismo") nem simplesmente alcançar as melhores consequências para o futuro (uma visão que ele chama de "pragmatismo"). O objetivo da interpretação construtiva é impor um propósito à prática jurídica, de modo a torná-la "o melhor exemplo possível da forma ou gênero ao qual se considera pertencer".22 Em termos simples, o intérprete – o juiz – deve ler a história jurídica de sua comunidade de uma forma que a apresente como a mais coerente e moralmente justificável possível.
Dworkin divide esse processo interpretativo em três estágios analíticos 23:
Estágio pré-interpretativo: Nesta fase, o intérprete identifica os dados brutos da prática – os estatutos, as decisões judiciais, as cláusulas constitucionais que são provisoriamente aceitos como parte do direito.
Estágio interpretativo: Aqui, o intérprete deve formular uma justificativa geral para os principais elementos da prática identificados na fase anterior. Ele deve se perguntar: "Que princípio ou conjunto de princípios melhor justifica esse conjunto de regras e decisões?".
Estágio pós-interpretativo (ou reformador): Munido de uma justificativa, o intérprete ajusta sua visão sobre o que a prática "realmente" exige para melhor servir a essa justificação. Ele pode decidir que certas regras ou precedentes, que pareciam centrais, são na verdade anomalias ou erros à luz da melhor interpretação do todo.
2.2 O Romance em Cadeia: A Adjudicação como Consistência de Princípios
Para ilustrar a natureza da interpretação construtiva na adjudicação, Dworkin oferece sua célebre metáfora do "romance em cadeia" (chain novel).22
Imagine um grupo de romancistas que decide escrever um romance em série. O primeiro autor escreve o primeiro capítulo e o envia para o segundo, que adiciona um segundo capítulo. O segundo autor envia os dois capítulos para o terceiro, e assim por diante. Cada romancista na cadeia tem uma tarefa dupla. Primeiro, ele deve ler os capítulos que recebeu para determinar o que eles são – sobre os personagens, o enredo, o gênero, o tema. Ele não pode simplesmente ignorar o que veio antes e começar um romance novo. Sua contribuição deve se ajustar (fit) ao material existente. Segundo, ele deve escrever seu capítulo de modo a tornar o romance, como um todo, o melhor romance possível. Entre as várias leituras possíveis dos capítulos anteriores, ele deve escolher aquela que permite que o romance se desenvolva da maneira mais rica e coerente.22
O juiz, para Dworkin, está em uma posição análoga. Ele não pode ignorar os estatutos e os precedentes; sua decisão deve se ajustar à história jurídica de sua comunidade. Mas essa história quase nunca admite uma única leitura. O juiz deve, então, escolher a interpretação que torna a história jurídica a melhor que ela pode ser, ou seja, a que a mostra como a expressão mais coerente de um conjunto de princípios de justiça e equidade.14 A metáfora do romance em cadeia não é, portanto, um apelo à fidelidade histórica cega, mas um modelo de como construir uma narrativa moral coerente a partir de materiais históricos. O passado não aprisiona o juiz; ele fornece a matéria-prima para uma justificação moral contínua, permitindo que o juiz corrija erros institucionais do passado e altere o futuro, mantendo a coerência narrativa.24
2.3 Integridade: A Virtude Soberana do Direito
A qualidade que o juiz-romancista busca maximizar é a "integridade". A integridade é, para Dworkin, a virtude política central e soberana do direito.22 Ela é a personificação da exigência de que o Estado aja de maneira principiada e coerente em todas as suas manifestações. A integridade exige que o governo "fale com uma só voz", tratando todos os cidadãos de acordo com um conjunto consistente de princípios morais.22
A integridade tem duas dimensões. A integridade na legislação exige que o poder legislativo tente tornar o conjunto de leis moralmente coerente. A integridade na adjudicação exige que os juízes interpretem as leis como se fossem parte de um esquema moralmente coerente.24 A integridade explica por que rejeitamos instintivamente as chamadas "soluções de tabuleiro de xadrez" (
checkerboard solutions). Uma lei que permitisse o aborto apenas para mulheres nascidas em anos pares, como um compromisso político entre grupos pró-vida e pró-escolha, seria inaceitável para a maioria das pessoas. Dworkin argumenta que a razão para essa rejeição é que tal lei carece de integridade; ela não pode ser justificada por nenhum conjunto coerente de princípios. A integridade proíbe o Estado de tratar casos semelhantes de maneiras diferentes com base em divisões arbitrárias, exigindo que a coerção estatal seja justificada por princípios que se aplicam a todos.22
2.4 O Juiz Hércules e a Tese da Resposta Correta
Para modelar o tipo de raciocínio que a integridade exige, Dworkin cria a figura mítica do "Juiz Hércules". Hércules é um juiz com habilidades sobre-humanas de intelecto, conhecimento e paciência.22 Ele não é uma descrição de um juiz real, mas um ideal metodológico que personifica o processo de interpretação construtiva. Diante de um caso difícil, Hércules é capaz de pesquisar toda a história constitucional, legislativa e judicial de sua comunidade. Ele constrói todas as teorias possíveis que se ajustam a essa história e, em seguida, escolhe a teoria que justifica essa história da melhor maneira, ou seja, que a mostra como a expressão mais coerente dos princípios de justiça e equidade. Ele então aplica essa teoria ao caso em questão para chegar a uma decisão.24
A partir do modelo de Hércules, Dworkin deriva sua tese mais famosa e controversa: a "tese da única resposta correta" (one right answer thesis).16 É crucial entender essa tese não como uma afirmação empírica de que juízes reais sempre podem, sem dificuldade, encontrar a resposta certa, ou que não haverá desacordo entre eles. Em vez disso, a tese é uma "condição contrafactual" de legitimidade, inerente à lógica da prática judicial.13
Dworkin argumenta que, ao decidir um caso, um juiz deve acreditar que existe uma resposta correta e que é seu dever encontrá-la. Admitir que poderia haver múltiplas respostas igualmente legítimas seria, para Dworkin, o mesmo que admitir a tese positivista da discricionariedade forte – que, quando as regras acabam, a lei acaba, e o juiz é livre para decidir com base em suas preferências pessoais.24 A obrigação de buscar a única resposta correta impõe ao juiz um ônus argumentativo: ele deve ser capaz de justificar por que sua interpretação dos princípios é superior a todas as outras.
A raiz dessa tese está na própria natureza da argumentação moral. Dworkin sustenta que a negação de uma resposta correta em questões morais é, ela mesma, uma posição moral substantiva.25 Dizer que "não há resposta correta para a questão de se o aborto é moralmente errado" é funcionalmente equivalente a dizer que "o aborto não é moralmente errado" (ou seja, é permissível). Como o direito, para Dworkin, é um ramo da moralidade, as proposições jurídicas também devem, em princípio, ter um valor de verdade. Elas podem ser verdadeiras ou falsas, mesmo que sua verdade não possa ser "demonstrada" com a certeza de uma prova matemática ou científica.13 A tese da resposta correta é, portanto, a consequência inevitável de se levar a sério a natureza moral e argumentativa do direito.
Tabela 2: Modelos Concorrentes de Adjudicação
Parte III: Os Fundamentos Filosóficos: Direito, Moralidade e Justiça
A teoria do direito de Dworkin não pode ser plenamente compreendida sem uma análise de suas profundas fundações na filosofia moral e política. Seu projeto jurídico é, em última análise, a aplicação de uma visão mais ampla sobre a natureza do valor, a relação entre o indivíduo e a comunidade, e o significado da igualdade. A aparente separação entre sua teoria jurídica e sua filosofia política é ilusória; elas são, na verdade, duas faces da mesma moeda, unificadas por uma concepção integrada do valor.
3.1 A Unidade do Valor: O Direito como um Ramo da Moralidade Política
Em sua obra de maturidade, Dworkin avança para uma de suas teses mais radicais: a "unidade do valor". Ele abandona a visão tradicional de que o direito e a moral são dois sistemas normativos distintos, ainda que interligados, e propõe uma "topografia intelectual diferente".5 Nessa nova visão, o direito não é algo separado da moral, mas sim um "departamento" ou "ramo" da moralidade política.5 Isso significa que todo argumento jurídico é, em sua essência, um tipo de argumento moral. A questão não é se a moral deve influenciar o direito, mas sim como distinguir a parte da moralidade política que é institucionalizada como direito do resto da moralidade.5
Essa perspectiva unificada permite a Dworkin dissolver muitos dos problemas que atormentam a filosofia do direito. Por exemplo, a questão da objetividade no direito torna-se uma subquestão da objetividade na moral. Para Dworkin, os juízos morais podem ser objetivamente verdadeiros ou falsos, não porque correspondam a alguma entidade metafísica ("mórons" ou "fatos morais" flutuando no universo), mas porque podem ser sustentados por um argumento moral adequado dentro de uma prática interpretativa coerente.5 A verdade de uma proposição jurídica, como "Elmer não tem direito à herança", depende da verdade de uma proposição moral mais ampla sobre a justiça e a equidade.
Essa visão também fundamenta sua famosa crítica ao "ferrão semântico" (semantic sting).5 Dworkin argumenta que os positivistas estão presos a uma teoria equivocada da linguagem, que assume que, para que um conceito como "direito" seja usado de forma significativa, todos os usuários devem concordar com os critérios para sua aplicação. Se assim fosse, argumenta Dworkin, os profundos desacordos teóricos que vemos na prática jurídica (como o debate em
Riggs v. Palmer sobre os próprios fundamentos do direito) seriam impossíveis ou seriam apenas mal-entendidos sobre o significado da palavra "direito". Dworkin insiste que esses não são desacordos semânticos, mas sim desacordos morais substantivos sobre quais princípios fornecem a melhor justificação para a prática jurídica e, portanto, sobre o que torna uma proposição de direito verdadeira.5
3.2 Virtude Soberana e o Liberalismo Igualitário
A substância dessa moralidade política que o direito institucionaliza é detalhada na obra-prima de Dworkin sobre filosofia política, A Virtude Soberana (Sovereign Virtue).28 Nela, ele argumenta que a "virtude soberana" da política, o princípio mestre que governa e justifica a ação do Estado, é a igualdade. Um governo legítimo é aquele que trata todos os seus cidadãos com "igual consideração e respeito" (
equal concern and respect).29 Este é o alicerce de sua teoria, conhecida como "liberalismo igualitário".32
Dworkin então se dedica a interpretar o que esse ideal abstrato de igualdade exige na prática, especialmente na distribuição de recursos e oportunidades.
Rejeição da Igualdade de Bem-Estar: Ele primeiro critica e rejeita a "igualdade de bem-estar" (equality of welfare), a ideia de que a justiça requer a equalização da felicidade ou da satisfação das preferências entre as pessoas. Dworkin apresenta objeções devastadoras a essa visão: ela não responsabiliza as pessoas por suas escolhas (o problema dos "gostos caros", onde alguém que cultiva um gosto por champanhe e caviar exigiria mais recursos para atingir o mesmo nível de bem-estar que alguém com gostos simples) e é moralmente perversa ao ter que satisfazer preferências ofensivas (como a preferência de um racista de que outros de uma raça diferente tenham menos recursos).34
Adoção da Igualdade de Recursos: Em seu lugar, Dworkin propõe a "igualdade de recursos" (equality of resources) como a melhor interpretação do ideal igualitário.33 Esta teoria é projetada para ser:
Sensível à ambição: Ela permite que a distribuição de recursos varie de acordo com as escolhas que as pessoas fazem sobre o tipo de vida que desejam levar. Se alguém escolhe uma vida de lazer em vez de trabalho, ou uma profissão de baixa remuneração em vez de uma de alta remuneração, a igualdade de recursos considera que as consequências dessas escolhas são de responsabilidade do indivíduo.35
Insensível às dotações: Por outro lado, a teoria busca neutralizar os efeitos da "sorte bruta" (brute luck) – as desvantagens que as pessoas sofrem sem que seja por sua escolha ou culpa. Isso inclui nascer com uma deficiência, ter menos talentos inatos ou pertencer a uma família pobre.38 Ninguém escolhe suas dotações genéticas ou seu ponto de partida na vida, e a justiça exige que a sociedade mitigue o impacto dessas circunstâncias moralmente arbitrárias.
O Leilão Hipotético e o Mercado de Seguros: Para modelar essa complexa ideia, Dworkin utiliza um engenhoso experimento mental. Ele nos pede para imaginar um grupo de sobreviventes de um naufrágio chegando a uma ilha deserta com abundância de recursos. Para dividir esses recursos de forma justa, eles concordam em realizar um leilão. Cada sobrevivente recebe um número igual de conchas para usar como moeda, e todos os recursos da ilha são leiloados.34 O leilão passa no "teste da inveja": ninguém invejará o pacote de recursos de outra pessoa, porque cada um teve a mesma oportunidade de adquiri-lo. Isso modela a parte da teoria sensível à ambição. Para lidar com a parte insensível às dotações (a sorte bruta, como uma deficiência congênita), Dworkin adiciona um segundo dispositivo: um mercado de seguros hipotético que ocorre
antes do leilão. Nesse mercado, as pessoas, sem saber quais desvantagens naturais terão, podem usar parte de suas conchas para comprar seguros contra essas contingências (por exemplo, seguro contra deficiência física ou falta de talento). O nível de cobertura e os prêmios seriam determinados pelas escolhas coletivas. Em uma sociedade real, o sistema de impostos e transferências (como programas de bem-estar e saúde) deveria funcionar como um análogo desse mercado de seguros, redistribuindo recursos para compensar as desvantagens da sorte bruta.34
3.3 Direitos como Trunfos: Reconciliando Liberdade e Igualdade
A filosofia política de Dworkin oferece uma solução elegante para um dos dilemas mais persistentes do liberalismo: o aparente conflito entre liberdade e igualdade. Ele rejeita a noção de que esses dois valores são fundamentalmente antagônicos.41
Sua ferramenta conceitual para isso é a famosa ideia dos "direitos como trunfos" (rights as trumps).41 Um direito individual, como o direito à liberdade de expressão, funciona como um trunfo político. Ele permite que um indivíduo prevaleça contra decisões políticas que, de outra forma, poderiam ser justificadas com base no bem-estar geral ou no interesse coletivo da comunidade.31 Por exemplo, o governo não pode censurar um jornal, mesmo que possa argumentar de forma plausível que a censura aumentaria a felicidade geral ou a segurança nacional. O direito do indivíduo "triunfa" sobre o cálculo utilitarista.42
Mas de onde vêm esses direitos? Para Dworkin, eles não são barreiras contra a igualdade, mas sim exigências da igualdade. As liberdades fundamentais que valorizamos (liberdade de expressão, de consciência, de associação) são precisamente as liberdades necessárias para proteger o status de cada pessoa como um igual moral, responsável por definir e buscar sua própria concepção de uma vida boa.30 Um governo que suprime a dissidência ou impõe uma religião não está apenas violando a liberdade; está, mais fundamentalmente, falhando em tratar seus cidadãos com igual consideração e respeito. Ele está tratando alguns cidadãos (aqueles cujas visões são suprimidas) como menos dignos ou menos capazes de responsabilidade moral.
Essa reconciliação é fundamentada em dois princípios da dignidade humana que Dworkin considera axiomáticos: primeiro, o princípio da igual importância objetiva, que sustenta que é igualmente importante que cada vida humana floresça; e segundo, o princípio da responsabilidade pessoal, que sustenta que cada pessoa tem a responsabilidade especial de definir e alcançar o florescimento de sua própria vida.30 Liberdade e igualdade, portanto, não são valores em conflito, mas fluem um do outro como facetas da mesma concepção humanista da vida e da política.
Essa estrutura filosófica fornece o conteúdo moral que a metodologia jurídica do "Direito como Integridade" busca aplicar. Quando o Juiz Hércules procura a interpretação que "melhor justifica" a prática jurídica, o padrão de justificação que ele emprega é o do liberalismo igualitário. Ele está, na prática, perguntando: "Qual conjunto de princípios, consistente com nossa história institucional, trata nossos cidadãos como iguais na distribuição de recursos e na responsabilidade por suas próprias vidas?". A teoria política de A Virtude Soberana fornece o projeto (o "o quê"), enquanto a teoria jurídica de O Império do Direito fornece o método de implementação (o "como"). O juiz torna-se, assim, um agente de varejo da moralidade política de atacado do liberalismo igualitário, garantindo que a coerção do Estado seja consistentemente justificada pelo princípio soberano da igualdade.
Parte IV: Teoria na Prática: Constitucionalismo e Adjudicação
A teoria de Dworkin não é um mero exercício de abstração filosófica. Ele insiste que uma teoria do direito deve ser capaz de orientar e explicar a prática jurídica real, especialmente nos domínios mais controversos do direito constitucional. É na aplicação de suas ideias a casos concretos e a sistemas jurídicos específicos que a força e as implicações de seu projeto se tornam mais evidentes.
4.1 A Leitura Moral da Constituição
Dworkin aplica sua teoria interpretativa diretamente ao direito constitucional, propondo o que ele chama de "leitura moral da Constituição".43 Ele argumenta contra a visão dominante do "originalismo" ou "historicismo", que sustenta que a Constituição deve ser interpretada de acordo com as intenções específicas e concretas de seus autores originais. Para Dworkin, essa abordagem está fundamentalmente equivocada.
Ele observa que muitas das cláusulas mais importantes da Constituição dos EUA (e de constituições semelhantes em todo o mundo) são redigidas em uma linguagem moral ampla e abstrata. Cláusulas que garantem o "devido processo legal", a "igual proteção das leis" ou proíbem "penas cruéis e incomuns" não são regras técnicas, mas sim enunciados de princípios morais gerais.44 A leitura moral sustenta que devemos ler essas cláusulas como o que são: invocações de princípios morais. A tarefa do juiz não é tentar adivinhar o que James Madison pensava sobre um problema do século XXI, mas sim engajar-se em um novo julgamento moral para determinar qual é a melhor concepção desse princípio abstrato hoje.44
Essa abordagem não significa que os juízes são livres para impor suas próprias convicções pessoais. A interpretação ainda está vinculada pela exigência de integridade. O juiz deve encontrar a interpretação do princípio constitucional que melhor se ajusta à história constitucional, aos precedentes e à estrutura geral do sistema jurídico, ao mesmo tempo que oferece a melhor justificação moral para essa prática.45 Longe de ser antidemocrática, Dworkin argumenta que a leitura moral é a essência da democracia constitucional. Ela garante que as decisões da maioria respeitem os direitos fundamentais dos indivíduos e que o governo opere sob princípios, e não apenas sob o poder.46
Estudo de Caso: Roe v. Wade (1973)
O famoso caso da Suprema Corte dos EUA que legalizou o aborto, Roe v. Wade, serve como um exemplo paradigmático de como a leitura moral funciona na prática e como Dworkin a defende.
A Questão Constitucional: O caso não se referia a uma cláusula explícita sobre o aborto na Constituição. A Corte baseou sua decisão no direito à "privacidade", que ela inferiu da garantia de "liberdade" na cláusula do devido processo legal da Décima Quarta Emenda.
A Análise de Dworkin: Dworkin defende a decisão, mas reformula seus fundamentos em termos explicitamente morais. Para ele, o direito em questão não é apenas "privacidade", mas um direito mais fundamental à "autonomia procriativa", que, por sua vez, deriva do princípio da responsabilidade pessoal de cada indivíduo por suas próprias decisões éticas fundamentais.46 Ele argumenta que a questão central não é se um feto é uma "pessoa" com direitos (uma questão que ele considera filosoficamente e teologicamente insolúvel), mas se o Estado tem o poder de impor uma visão particular sobre o "valor intrínseco" ou a "santidade" da vida humana a cidadãos que, com base em suas próprias convicções morais e religiosas, discordam profundamente.46
Integridade e Igualdade: Forçar uma mulher a levar uma gravidez a termo contra sua vontade e suas convicções mais profundas, argumenta Dworkin, é uma violação profunda de sua dignidade e de sua condição de igual moral. Isso nega seu direito de tomar as decisões mais fundamentais sobre seu próprio corpo e o curso de sua vida, um direito que é exigido pelo princípio do igual respeito do governo por todos os seus cidadãos.44 A leitura moral, portanto, interpreta a garantia abstrata de "liberdade" como incluindo a proteção contra esse tipo de coerção moral por parte do Estado. A decisão em
Roe é, sob essa luz, uma aplicação da integridade, conectando a história constitucional de proteção à autonomia pessoal com uma justificação moral baseada na igualdade.
4.2 O Eco Dworkiniano no Brasil: Uma Análise da Jurisprudência do STF
A teoria de Dworkin encontrou uma recepção notavelmente forte no Brasil, influenciando acadêmicos, advogados e, de forma proeminente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).11 O constitucionalismo brasileiro pós-1988, com sua ênfase em princípios, dignidade humana e o papel ativo do judiciário, provou ser um terreno fértil para as ideias dworkinianas.
Estudo de Caso: ADPF 54 (Caso dos Anencéfalos)
Um dos exemplos mais claros da aplicação, consciente ou não, de um método dworkiniano pelo STF é o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que tratou da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.
A Questão Jurídica: O Código Penal brasileiro tipifica o aborto como crime, com exceções apenas para casos de estupro e risco de vida para a gestante. A questão perante o STF era se a interrupção da gestação de um feto com anencefalia – uma condição invariavelmente fatal, na qual não há desenvolvimento do cérebro – se enquadraria nesse tipo penal.23
A Decisão do STF: Por uma maioria expressiva, o STF decidiu que tal procedimento não constitui crime de aborto, utilizando a técnica da "interpretação conforme a Constituição" para excluir essa situação do alcance da norma penal.23
A Aplicação da Teoria de Dworkin: A argumentação dos ministros da maioria reflete de forma impressionante os conceitos centrais de Dworkin:
Princípios sobre Regras: Em vez de se aterem a uma leitura literal e restritiva das regras do Código Penal, os ministros fundamentaram suas decisões em um conjunto de princípios constitucionais fundamentais: a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia, o direito à saúde e a laicidade do Estado. Eles efetivamente ponderaram a regra penal contra esses princípios e concluíram que os princípios deveriam prevalecer.23
Leitura Moral e Integridade: Os votos, especialmente os dos Ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, realizaram uma profunda "leitura moral" da Constituição. Eles argumentaram que obrigar uma mulher a levar a termo uma gestação de um feto inviável, com todo o sofrimento físico e psicológico que isso acarreta, seria um ato de tortura e uma violação de sua dignidade. A decisão foi construída para apresentar o ordenamento jurídico brasileiro da forma mais coerente e humanista possível, alinhando o direito penal com os valores mais básicos da Constituição. O Ministro Marco Aurélio, em particular, argumentou que a decisão não criava uma nova lei, mas apenas interpretava o sistema existente em sua melhor luz, um eco direto da busca pela integridade de Dworkin.23
Rejeição do Formalismo e o Debate sobre o Papel Judicial: A decisão representou uma clara rejeição a uma abordagem formalista e positivista. O debate entre a maioria e o voto dissidente do Ministro Ricardo Lewandowski, que argumentou por um papel judicial mais contido e deferente ao legislador, espelha o debate global entre Dworkin e seus críticos positivistas sobre os limites da interpretação judicial.23 Para a maioria, assim como para Dworkin, em um caso difícil envolvendo direitos fundamentais, o dever do juiz é interpretar o direito de forma a vindicar esses direitos, mesmo que isso exija ir além da superfície do texto legal.
O caso da ADPF 54 demonstra como a teoria de Dworkin fornece um poderoso arcabouço teórico para justificar uma forma de jurisdição constitucional principiológica e ativista, que se tornou uma marca do STF no século XXI.
Parte V: Diálogo Crítico e Legado Duradouro
Nenhuma teoria filosófica de grande porte sobrevive sem um intenso escrutínio crítico. A obra de Dworkin, por sua ambição e radicalidade, provocou um debate vigoroso que ajudou a moldar a filosofia do direito contemporânea. Analisar essas críticas é essencial para uma compreensão completa e equilibrada de sua contribuição.
5.1 O Contra-Ataque Positivista
Os alvos primários da crítica de Dworkin, os positivistas jurídicos, não permaneceram em silêncio. Suas respostas, especialmente as de H.L.A. Hart, Joseph Raz e Neil MacCormick, refinaram o positivismo e destacaram pontos de tensão na teoria de Dworkin.
O Pós-escrito de H.L.A. Hart: Em um Pós-escrito a O Conceito de Direito, publicado postumamente, Hart responde diretamente a Dworkin.6 Ele acusa Dworkin de ter caricaturado sua teoria. Hart esclarece que sua teoria é "descritiva" e "geral", visando descrever o direito como um fenômeno social, enquanto a de Dworkin é "prescritiva" ou "justificatória", visando apresentar o direito em sua melhor luz moral.17 Mais importante, Hart introduz o conceito de "positivismo inclusivista" ou "brando" (
soft positivism). Ele concede que a regra de reconhecimento de um sistema jurídico pode, de forma contingente, incluir critérios morais para a identificação do direito (por exemplo, uma constituição pode estipular que leis "injustas" são inválidas). No entanto, ele insiste que isso é um fato social sobre aquele sistema específico, não uma verdade necessária sobre a natureza do direito em geral. A conexão entre direito e moral, se existir, é contingente, não conceitual.6A Crítica de Joseph Raz: Joseph Raz, um dos mais brilhantes alunos de Hart e um proponente do "positivismo exclusivista", oferece uma crítica ainda mais fundamental. Raz argumenta que a própria função do direito é fornecer orientação para a conduta e resolver disputas que, de outra forma, seriam deixadas para a argumentação moral individual. Para que o direito cumpra essa função, ele deve ter autoridade. A autoridade do direito, segundo a "tese da preempção" de Raz, reside no fato de que suas diretivas substituem (preempt) as razões de primeira ordem (incluindo as razões morais) que os indivíduos poderiam ter para agir.50 Para que o direito possa substituir as razões morais, seu conteúdo deve ser identificável sem recorrer a essa mesma argumentação moral. A teoria de Dworkin, ao exigir que os juízes se engajem em complexos raciocínios morais para
descobrir o que o direito é, torna o direito incapaz de exercer sua função de autoridade. Se precisamos da moral para encontrar o direito, o direito não pode resolver nossas disputas morais.27A Teoria Institucional de Neil MacCormick: Neil MacCormick, um pensador que se situou entre Hart e Dworkin, desenvolveu uma "Teoria Institucional do Direito".52 Embora mais simpático à importância da argumentação e dos princípios, MacCormick criticou Dworkin por subestimar a importância fundamental do direito como um "fato institucional".53 Para MacCormick, o que confere a uma norma seu caráter jurídico é sua origem em práticas e instituições sociais estabelecidas. Em sua obra inicial,
Legal Reasoning and Legal Theory, ele oferece uma análise crítica da "tese dos direitos" de Dworkin, argumentando que muitos dos princípios que Dworkin considerava não terem pedigree poderiam, de fato, ser reconhecidos por uma regra de reconhecimento mais sofisticada.53 MacCormick sentia que a teoria de Dworkin, ao focar quase exclusivamente na dimensão argumentativa e moral ("doutrinária"), negligenciava a questão "sociológica" de o que constitui um sistema jurídico como uma instituição social distinta da moralidade ou da religião.53
5.2 O Lugar de Dworkin no Panteão: Uma Terceira Via na Jurisprudência
Apesar dessas críticas poderosas, o impacto de Dworkin na filosofia do direito é inegável. Sua maior contribuição talvez tenha sido a de romper a estéril dicotomia entre positivismo jurídico e direito natural, que havia dominado o campo por séculos. Ele conseguiu criar uma "terceira via" genuína.3
Não é um Jusnaturalista Tradicional: Dworkin não é um teórico do direito natural no sentido clássico. Ele não fundamenta a validade do direito em uma lei divina ou em uma ordem moral transcendente e a-histórica. Os princípios que formam o direito, em sua teoria, não são universais e imutáveis, mas são derivados da interpretação construtiva da história e da prática institucional de uma comunidade política específica.3 A moralidade que importa para o direito é a moralidade política imanente à prática da comunidade.
Não é um Positivista: Ao mesmo tempo, ele é o mais ferrenho crítico do positivismo. Ele nega a tese central da separação entre direito e moral, argumentando que a identificação do conteúdo do direito é, em última análise, um exercício moral.1 Ele rejeita a ideia de que a validade jurídica possa ser reduzida a uma questão de fatos sociais brutos.
O legado duradouro de Dworkin reside em ter mudado fundamentalmente os termos do debate. Após sua intervenção, tornou-se impossível para qualquer teoria jurídica séria ignorar a dimensão interpretativa da adjudicação, o papel crucial dos princípios morais na argumentação jurídica e a profunda e inescapável conexão entre o direito e a filosofia política. Ele forçou o positivismo a se refinar (dando origem ao debate entre positivismo inclusivista e exclusivista) e reintroduziu a moralidade no centro da teoria jurídica de uma forma sofisticada e secular. Ele nos legou uma visão do direito não como um conjunto de comandos ou regras, mas como um empreendimento nobre e argumentativo, uma parte da conversa contínua de uma comunidade sobre justiça.
Conclusão: A Corrente Inacabada
A teoria do direito de Ronald Dworkin representa uma das mais ambiciosas e integradas construções intelectuais da filosofia jurídica moderna. Partindo de uma crítica incisiva à visão positivista do direito como um sistema de regras, ele erigiu uma teoria construtiva que concebe o direito como uma prática interpretativa, unificada pela virtude da integridade e fundamentada em uma robusta filosofia política do liberalismo igualitário. Sua obra é um esforço monumental para demonstrar que o direito, a moral e a política não são domínios separados, mas aspectos interligados de um único sistema de valor, cujo princípio soberano é a exigência de que o Estado trate cada um de seus cidadãos com igual consideração e respeito.
Desde a distinção seminal entre regras e princípios, passando pela crítica à discricionariedade judicial em casos difíceis, até o desenvolvimento do "Direito como Integridade", Dworkin reconfigurou o cenário da jurisprudência. Suas metáforas do "romance em cadeia" e do "Juiz Hércules", juntamente com a controversa "tese da única resposta correta", não são meros ornamentos, mas ferramentas conceituais poderosas para articular uma visão do juiz como um intérprete engajado, cuja tarefa é descobrir direitos preexistentes e apresentar a prática jurídica de sua comunidade em sua melhor luz moral.
A força de sua teoria reside em sua capacidade de conectar a abstração filosófica com a prática concreta. Sua "leitura moral da Constituição" e sua análise de casos emblemáticos como Riggs v. Palmer, Roe v. Wade e, por extensão, a ADPF 54 no Brasil, demonstram como os princípios morais não são invasores externos no domínio do direito, mas sim seu próprio esqueleto. Ao fazer isso, ele oferece uma justificativa poderosa para uma forma de jurisdição constitucional que leva os direitos a sério, tratando-os como "trunfos" contra os cálculos de conveniência política.
Naturalmente, um projeto de tal magnitude atraiu críticas formidáveis. As respostas de positivistas como Hart, Raz e MacCormick destacaram tensões importantes em sua teoria, questionando a viabilidade de identificar o direito através da argumentação moral e a adequação de sua descrição das instituições jurídicas. No entanto, mesmo esses debates servem como testemunho do poder de Dworkin: ele estabeleceu a agenda da filosofia do direito por mais de uma geração.
No final, a teoria de Dworkin pode ser vista através de sua própria metáfora mais famosa. Ele não foi o primeiro autor no grande romance em cadeia da jurisprudência, nem será o último. Ele recebeu uma tradição dominada pelo positivismo e, em vez de simplesmente adicionar mais um capítulo no mesmo estilo, ele reinterpretou radicalmente todo o enredo. Ele argumentou que a história do direito não era uma crônica de poder e convenção, mas uma busca por princípio e coerência. Ao escrever seu capítulo, ele mudou para sempre a forma como os capítulos subsequentes poderiam ser escritos. A corrente do direito é, por natureza, inacabada. O legado de Ronald Dworkin não é um conjunto final de respostas, mas sim um convite profundo e duradouro para que futuros juízes, advogados e filósofos continuem o trabalho de interpretar e aperfeiçoar o império do direito, sempre em busca de sua virtude soberana: a justiça.
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