O Princípio do Nominalismo e o Inadimplemento nas Obrigações Pecuniárias no Direito Brasileiro
Introdução
O presente relatório tem por objetivo analisar questões fundamentais do Direito das Obrigações no Brasil, especificamente no que tange à natureza do inadimplemento em obrigações pecuniárias e à aplicação do princípio do nominalismo. A consulta inicial levanta a assertiva de que, em obrigações de pagar quantia certa, não se verifica o inadimplemento absoluto, mas tão somente a mora (inadimplemento relativo). Esta premissa será examinada criticamente, em conjunto com uma exposição detalhada do princípio do nominalismo, seus fundamentos legais, suas implicações em um cenário econômico dinâmico e os mecanismos jurídicos destinados a mitigar seus efeitos.
A estrutura deste relatório visa proporcionar uma análise precisa e autoritativa, ancorada na legislação brasileira, na doutrina consolidada e na jurisprudência pertinente. Será primeiramente abordada a distinção entre as modalidades de inadimplemento no contexto das obrigações monetárias. Em seguida, será explorado o princípio do nominalismo, sua base normativa e as consequências de sua aplicação. Por fim, serão detalhados os instrumentos jurídicos que temperam o nominalismo, como a correção monetária e os juros, e a forma como a mora atua como catalisador para a incidência desses encargos, garantindo a recomposição do valor devido e a proteção do credor.
I. A Natureza das Obrigações Pecuniárias e a Inaplicabilidade do Inadimplemento Absoluto
As obrigações pecuniárias são aquelas cujo objeto consiste na entrega de uma soma em dinheiro. Distinguem-se de outras obrigações por terem como prestação um bem de natureza fungível por excelência: a moeda. A doutrina majoritária no direito brasileiro compreende que o dinheiro não se enquadra como "coisa certa" ou "coisa incerta" no sentido estrito das obrigações de dar. A obrigação pecuniária é, antes, uma obrigação de soma ou de valor monetário.1 A impossibilidade de classificá-lo como uma "coisa" possui implicações diretas na análise do inadimplemento, uma vez que a perda ou deterioração de uma "coisa" pode, em certas circunstâncias, levar à resolução da obrigação, o que não se verifica com o dinheiro.
No direito brasileiro, o inadimplemento das obrigações pode ser classificado como absoluto ou relativo (mora). A distinção crucial entre estas duas modalidades reside na utilidade da prestação para o credor após o prazo de cumprimento.2
O inadimplemento absoluto caracteriza-se quando a prestação não foi cumprida e, mesmo que o devedor pudesse cumpri-la tardiamente, ela se tornou inútil ou impossível para o credor. Um exemplo ilustrativo é o serviço de buffet contratado para um evento que chega após todos os convidados terem se retirado.2 Neste cenário, a consequência jurídica é a resolução do contrato e a conversão da obrigação principal em perdas e danos.2 A prestação original perdeu completamente sua finalidade para o credor.
Por outro lado, a mora (inadimplemento relativo) ocorre quando a obrigação não é cumprida no tempo, lugar ou forma devidos, mas a prestação ainda é possível e útil ao credor. O caso típico é o aluguel pago com atraso, onde o recebimento dos valores, ainda que intempestivo, mantém sua utilidade para o locador.2 A mora acarreta a incidência de encargos adicionais, como juros, correção monetária e honorários advocatícios, mas não a resolução da obrigação principal.2 O cumprimento tardio ainda satisfaz, ao menos parcialmente, o interesse do credor.
A fungibilidade do dinheiro e a utilidade permanente da prestação pecuniária são os fundamentos pelos quais o inadimplemento absoluto não se configura em obrigações de dar dinheiro. Devido à natureza fungível da moeda, a prestação de uma quantia em dinheiro é, em princípio, sempre possível. Ao contrário de uma coisa específica que pode perecer, tornando a prestação impossível, o dinheiro, como unidade de valor, não se torna "impossível" de ser entregue, mesmo que o devedor esteja pessoalmente insolvente. A insolvência do devedor não torna a obrigação pecuniária impossível, mas sim dificulta sua execução, que recairá sobre o patrimônio do devedor, ou mesmo sobre seu patrimônio futuro.1 A impossibilidade aqui referida não é de ordem física ou factual, mas de natureza jurídico-econômica. Para obrigações pecuniárias, a fungibilidade do dinheiro implica que o objeto da obrigação, uma soma de valor, nunca é verdadeiramente "impossível" de ser obtido no mercado. Mesmo que um devedor específico não possua os recursos, o dinheiro em si continua a existir e pode ser adquirido, o que impede a caracterização jurídica da impossibilidade absoluta ou da inutilidade para o credor, restringindo o inadimplemento à mora.3
A utilidade da prestação pecuniária para o credor, via de regra, persiste mesmo com o atraso. O dinheiro, ainda que recebido tardiamente, mantém sua função de meio de troca e padrão de valor. Não há, em geral, perda superveniente do interesse do credor que torne a prestação inútil, como ocorre em obrigações de fazer com prazo fatal.2 A ênfase na "utilidade" reflete uma abordagem contratual moderna que se concentra no interesse do credor e no propósito do contrato. Essa perspectiva transcende uma mera avaliação objetiva da "prestação" para incorporar as necessidades do credor, ainda que verificáveis objetivamente. No contexto do dinheiro, sua utilidade universal significa que ele quase sempre atende ao interesse do credor, independentemente do atraso. Isso está em consonância com o princípio da preservação contratual sempre que possível.
Diante disso, a doutrina e a jurisprudência brasileiras convergem para o entendimento de que, em obrigações pecuniárias, o inadimplemento se manifesta exclusivamente na forma de mora (inadimplemento relativo), e não como inadimplemento absoluto.3 Essa distinção reforça o tratamento jurídico singular do dinheiro como um meio de troca, em vez de um ativo específico, e sublinha a estabilidade das obrigações monetárias no sistema jurídico, assegurando que uma dívida em dinheiro não possa simplesmente desaparecer por "impossibilidade" da mesma forma que uma dívida por um item único. O sistema jurídico prioriza a manutenção da relação contratual quando o interesse central pode ser atendido, mesmo que de forma imperfeita. Para obrigações pecuniárias, isso significa que a principal solução é sempre o pagamento em si, acrescido de compensação pelo atraso, em vez da rescisão do contrato. Tal abordagem promove a estabilidade econômica ao garantir o cumprimento dos compromissos financeiros, ainda que com medidas corretivas para o atraso.
As consequências jurídicas da mora em obrigações pecuniárias incluem a responsabilidade por perdas e danos, que abrangem juros, atualização monetária e honorários advocatícios, conforme previsto nos Artigos 389 e 404 do Código Civil.6 A "purga da mora" ocorre quando o devedor, mesmo atrasado, cumpre a obrigação, cessando os efeitos do atraso para o futuro, mas sem eximi-lo dos encargos moratórios já incorridos.2
A Tabela 1, a seguir, sintetiza as principais diferenças entre o inadimplemento absoluto e a mora, com foco na sua aplicação às obrigações em geral e, especificamente, às pecuniárias.
Tabela 1: Comparativo: Inadimplemento Absoluto vs. Mora em Obrigações (Geral e Pecuniárias)
II. O Princípio do Nominalismo no Direito das Obrigações Brasileiras
O princípio do nominalismo constitui uma regra fundamental da teoria monetária e do direito das obrigações, estabelecendo que as dívidas de dinheiro devem ser pagas pelo seu valor nominal, ou seja, pela quantidade de moeda expressa no título da obrigação, independentemente das flutuações de seu poder aquisitivo.7 Este princípio assegura a imutabilidade do valor legal da moeda atribuído pelo Estado, sendo considerado essencial para a soberania monetária e a estabilidade das relações econômicas. Ao conferir à moeda a qualidade necessária para cumprir suas funções de meio de troca, depósito de valor e padrão de valor, o nominalismo proporciona segurança jurídica e previsibilidade nas transações.9 Historicamente, sua observância foi crucial para a edificação de economias liberais e para a superação de grandes crises monetárias.
A principal consagração do princípio do nominalismo no ordenamento jurídico brasileiro encontra-se no Artigo 315 do Código Civil de 2002. Este dispositivo legal preceitua que "As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes".6 Tal redação reafirma a regra nominalista como o ponto de partida para as obrigações pecuniárias, indicando que o valor de face da moeda é o que, em princípio, prevalece.
A principal implicação do nominalismo é que o credor de uma obrigação pecuniária receberá, no vencimento, a mesma quantidade nominal de moeda que foi originalmente pactuada, mesmo que o poder de compra dessa moeda tenha sido drasticamente reduzido pela inflação.9 Em cenários de alta inflação, a aplicação estrita do nominalismo pode resultar em uma perda significativa do poder aquisitivo do credor e, consequentemente, em um enriquecimento sem causa do devedor, que quita uma dívida com moeda desvalorizada.9 Essa distorção levou ao desenvolvimento de mecanismos mitigadores, que serão detalhados na próxima seção, com o objetivo de reequilibrar as relações contratuais e evitar injustiças decorrentes da desvalorização monetária.
A adoção do princípio do nominalismo, embora fundamental para a certeza jurídica nas transações monetárias e para a soberania monetária, gera uma inerente tensão com o princípio da justiça econômica em ambientes inflacionários. O sistema jurídico, ao optar pelo nominalismo, prioriza a previsibilidade da unidade monetária em detrimento da constante preservação de seu poder de compra. Essa escolha, contudo, exige a criação de "válvulas de escape" ou mecanismos mitigadores para prevenir desequilíbrios econômicos severos e manter a equidade quando a realidade econômica se desvia significativamente do ideal de estabilidade monetária. Essa tensão explica os contínuos esforços legislativos e judiciais para harmonizar esses valores concorrentes, demonstrando que os princípios jurídicos não são estáticos, mas evoluem em resposta a pressões socioeconômicas, buscando um equilíbrio pragmático entre regras rígidas e resultados equitativos.
Embora o nominalismo seja o ponto de partida para a compreensão das obrigações pecuniárias, ele raramente funciona como o único fator determinante do montante final devido em uma economia volátil como a brasileira, especialmente após o inadimplemento. A aplicação frequente e necessária de mecanismos valoristas, como a correção monetária e os juros, significa que o nominalismo atua mais como uma presunção que pode ser superada por disposições legais específicas ou por realidades econômicas. A tendência é para um "nominalismo mitigado" ou "nominalismo com temperamentos". Isso implica que uma compreensão puramente teórica do nominalismo é insuficiente para a aplicação jurídica prática no Brasil. Profissionais do direito devem sempre considerar a interação entre o princípio nominalista e os diversos mecanismos valoristas que ajustam o valor real da dívida, particularmente em casos de mora ou de significativas mudanças econômicas.
III. Mecanismos Mitigadores do Nominalismo e da Perda do Poder Aquisitivo
A experiência brasileira, marcada por décadas de alta inflação, demonstrou a inviabilidade da aplicação pura do nominalismo, que resultaria em graves distorções econômicas e injustiças, como o enriquecimento sem causa do devedor e a ruína do credor.9 Para combater a erosão do poder aquisitivo da moeda e preservar o equilíbrio contratual, o ordenamento jurídico brasileiro desenvolveu e incorporou diversos mecanismos de reajuste do valor das obrigações pecuniárias.7
Correção Monetária
A correção monetária é um mecanismo que visa recompor o valor real da moeda, compensando a perda de seu poder aquisitivo causada pela inflação. Não representa um "plus" para o credor, mas sim a mera manutenção do valor da dívida ao longo do tempo, garantindo que o valor nominal da dívida seja ajustado para refletir a perda do poder de compra.7
A correção monetária, em regra, não se aplica durante o período de normalidade contratual (antes do vencimento), a menos que haja previsão legal específica ou cláusula de escala móvel.7 Esta limitação se alinha com o princípio do nominalismo para a dívida "pura". No entanto, a correção monetária se aplica automaticamente e sem restrições a partir da ocorrência da mora (inadimplemento), visando preservar o valor real da dívida pecuniária em atraso.7 A Lei nº 14.905/2024 padronizou o
IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) como o índice supletivo para a correção monetária de dívidas civis em geral, buscando uniformidade e previsibilidade.7 Em dívidas judiciais, a nova lei também direciona para a aplicação do IPCA, superando a anterior utilização do INPC por analogia.7
A evolução dos mecanismos de correção monetária, especialmente a desagregação da Taxa Selic em componentes de juros e inflação para o cálculo dos juros moratórios (Selic – IPCA), revela uma crescente sofisticação na tentativa do sistema jurídico de alcançar uma verdadeira "recomposição" de valor. Isso reconhece que a simples aplicação de um único índice pode não abordar com precisão tanto o valor do dinheiro no tempo (juros) quanto a erosão do poder de compra (correção monetária). Essa tendência indica um movimento em direção a métodos de ajuste de dívida mais economicamente precisos e transparentes, visando uma restauração mais completa do patrimônio do credor. Essa contínua adaptação sublinha a interação dinâmica entre o direito e a economia, onde o arcabouço legal deve se ajustar constantemente às complexidades econômicas para assegurar a justiça e evitar a subversão das funções econômicas do dinheiro e do crédito.
Juros
Os juros são outro mecanismo essencial na mitigação do nominalismo, dividindo-se em remuneratórios e moratórios.
Os juros remuneratórios (ou compensatórios) representam a "remuneração" pelo uso do capital alheio, o "aluguel do dinheiro".7 São devidos durante o período de normalidade contratual, ou seja, antes do vencimento da obrigação. Não se confundem com a correção monetária, pois sua finalidade é remunerar o capital, enquanto a correção visa preservar seu valor.7 A Lei nº 14.905/2024 remete o teto e a capitalização dos juros remuneratórios à Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), estabelecendo o teto em dobro dos juros moratórios legais e capitalização mínima anual.7
Os juros moratórios, por sua vez, possuem função indenizatória pela indisponibilidade do dinheiro devido ao atraso no cumprimento da obrigação e, secundariamente, punitiva ao devedor.7 São devidos apenas a partir da ocorrência da mora (período de anormalidade contratual).7 A Lei nº 14.905/2024 estabeleceu uma nova forma de cálculo para os juros moratórios legais:
Taxa Selic – IPCA. Se o resultado for negativo, os juros moratórios serão zero.7 Essa fórmula visa desmembrar a Selic, que possui função mista de juros e correção, para evitar dupla correção.7 O Artigo 404 do Código Civil prevê que os juros da mora, a correção monetária, as custas e os honorários de advogado compõem as perdas e danos nas obrigações pecuniárias. O parágrafo único permite indenização suplementar se os juros da mora não cobrirem o prejuízo.8
A natureza dual dos juros moratórios, que são tanto indenizatórios quanto punitivos, é de suma importância. O aspecto indenizatório aborda diretamente o custo de oportunidade para o credor devido ao atraso no pagamento, mitigando o impacto do nominalismo. O aspecto punitivo, ao tornar o inadimplemento financeiramente desvantajoso (especialmente com o componente Selic), incentiva os devedores a priorizarem o pagamento pontual, reforçando assim a estabilidade das obrigações pecuniárias. A previsão de indenização suplementar no Artigo 404 do Código Civil enfatiza que o objetivo principal é a reparação integral do prejuízo do credor, mesmo que as taxas de juros padrão sejam insuficientes. Essa dupla função reflete a intenção do sistema jurídico de restaurar a posição do credor e de impor disciplina contratual, demonstrando que as consequências da mora são concebidas não apenas para corrigir um desequilíbrio, mas também para dissuadir futuras violações, contribuindo para a eficiência e confiabilidade do mercado de crédito.
Outras Exceções e Mecanismos
Além da correção monetária e dos juros, outros mecanismos jurídicos atuam como exceções ou mitigadores do nominalismo:
Cláusulas de Escala Móvel (Cláusulas de Indexação): Permitem que o valor da dívida flutue conforme índices de custo de vida. Contudo, a legislação proíbe a correção monetária em intervalos inferiores a um ano antes do vencimento, salvo autorização legal específica.7
Teoria da Imprevisão: Permite que um juiz altere o valor da obrigação se, devido a um motivo imprevisto e superveniente, a prestação se tornar manifestamente desproporcional no momento do pagamento.7 Este mecanismo busca restabelecer o equilíbrio contratual rompido por eventos extraordinários.
A Tabela 2, a seguir, resume os mecanismos mitigadores do nominalismo e suas respectivas funções, incidência e bases legais.
Tabela 2: Mecanismos Mitigadores do Nominalismo e Suas Funções
IV. A Relação entre Nominalismo, Mora e as Perdas e Danos nas Obrigações Pecuniárias
O princípio do nominalismo rege as obrigações pecuniárias durante o período de normalidade contratual (antes do vencimento), significando que o valor devido é o valor de face da moeda.7 Contudo, a partir do momento em que o devedor incorre em mora, o cenário jurídico se altera profundamente. A mora atua como o gatilho para a aplicação dos mecanismos mitigadores do nominalismo, transformando a dívida nominal em uma dívida sujeita a reajustes para compensar o atraso e a desvalorização.7 É a mora que justifica a incidência de juros moratórios e a correção monetária, pois é a partir desse ponto que o credor sofre o prejuízo pela indisponibilidade do capital e pela perda do poder aquisitivo.7
A ocorrência da mora funciona como um ativador legal que transforma uma obrigação puramente nominal em uma obrigação sujeita à valorização. Isso não representa uma contradição, mas sim um sofisticado desenho legislativo. Reflete o entendimento de que, embora a certeza seja primordial nas transações normais (daí o nominalismo), a equidade e a reparação integral tornam-se essenciais em caso de inadimplemento. A mora é o evento que provoca a transição legal de uma aplicação nominalista estrita para uma valorista, garantindo que o credor não seja penalizado pelo atraso do devedor. Essa abordagem demonstra a natureza pragmática do Direito Civil brasileiro, que reconhece a realidade econômica da inflação e a injustiça inerente do nominalismo estrito em um cenário de inadimplemento. Ao fazer da mora o ponto de inflexão, a lei incentiva o pagamento pontual e, ao mesmo tempo, protege a posição econômica real do credor, fomentando a confiança e a estabilidade no mercado de crédito.
O Artigo 389 do Código Civil estabelece que "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".6 Este artigo constitui a base legal para a responsabilização do devedor em caso de inadimplemento, incluindo a mora, já prevendo a incidência de juros e correção monetária como parte das perdas e danos.
Complementando o Artigo 389, o Artigo 404 do Código Civil especifica as perdas e danos nas obrigações de pagamento em dinheiro. Ele determina que essas perdas e danos serão pagas com atualização monetária (conforme índices oficiais, agora predominantemente IPCA), juros (moratórios, calculados como Selic-IPCA), custas e honorários de advogado.6
O Parágrafo único do Artigo 404 prevê uma indenização suplementar ao credor caso os juros da mora não cubram o prejuízo efetivamente sofrido, desde que provado e não havendo pena convencional.8 A inclusão dessa cláusula é uma salvaguarda crucial, indicando que o legislador reconhece que os encargos legais padrão (juros e correção) podem não ser suficientes para compensar integralmente o credor por todos os danos decorrentes do atraso. Essa disposição atua como uma "cláusula aberta" para a reparação integral, assegurando que o patrimônio do credor seja totalmente restaurado, mesmo para perdas não óbvias ou indiretas causadas pela mora. Isso reforça o caráter indenizatório dos juros moratórios e a preocupação do legislador em garantir a plena reparação do credor, sublinhando o princípio da restitutio in integrum no contexto da responsabilidade contratual.
A combinação desses artigos demonstra que o Código Civil, embora adote o nominalismo como regra geral, estabelece um regime de valorismo compulsório para as obrigações pecuniárias a partir do momento da mora. Isso significa que, uma vez caracterizado o atraso, a dívida não se mantém no seu valor de face, mas é atualizada e acrescida de juros para compensar o credor.
Conclusão
Este relatório demonstrou que, nas obrigações pecuniárias no direito brasileiro, o inadimplemento se manifesta exclusivamente como mora (inadimplemento relativo). A fungibilidade inerente ao dinheiro e a persistência de sua utilidade para o credor, mesmo com o atraso, impedem a configuração do inadimplemento absoluto, que pressupõe a impossibilidade ou inutilidade superveniente da prestação.
O princípio do nominalismo, consagrado no Artigo 315 do Código Civil, estabelece a regra do pagamento pelo valor de face da moeda. Contudo, a realidade econômica brasileira, marcada por períodos de inflação, impôs a necessidade de temperar este princípio com importantes mecanismos mitigadores. A correção monetária, agora padronizada pelo IPCA para dívidas civis, e os juros (remuneratórios e moratórios, com a nova fórmula Selic-IPCA para os últimos) atuam como instrumentos essenciais para preservar o poder aquisitivo do credor e compensar o atraso. A mora, nesse contexto, funciona como o catalisador para a incidência desses encargos.
Os Artigos 389 e 404 do Código Civil são cruciais, pois estabelecem a responsabilidade do devedor em mora por perdas e danos, incluindo juros e correção monetária, efetivamente transformando a dívida nominal em uma dívida valorizada a partir do atraso. A previsão de indenização suplementar no parágrafo único do Artigo 404 reforça o compromisso do legislador com a plena reparação do credor.
A análise revela a constante tensão e o equilíbrio dinâmico entre a busca por certeza e estabilidade jurídica, inerentes ao nominalismo, e a necessidade de justiça econômica e proteção do poder aquisitivo em um ambiente de flutuações monetárias, que impulsiona o valorismo e os mecanismos mitigadores. O direito brasileiro, por meio de sua legislação e interpretação jurisprudencial, tem se adaptado para oferecer soluções pragmáticas que garantam a funcionalidade das obrigações pecuniárias, protegendo o credor sem inviabilizar o devedor. A evolução das regras de correção e juros, exemplificada pela Lei nº 14.905/2024, reflete um amadurecimento do sistema em lidar com as complexidades econômicas, buscando maior clareza, padronização e equidade nas relações de crédito. Em suma, o direito das obrigações pecuniárias no Brasil é um campo de constante aperfeiçoamento, onde a teoria e a prática se entrelaçam para assegurar a efetividade e a justiça nas relações financeiras.
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